A Finança do Esgotamento

A Finança do Esgotamento

Quando o cansaço se torna a norma, ele deixa de ser apenas uma experiência individual e se transforma em um princípio político e civilizacional, limitando nossa liberdade e nosso destino.

Essa forma invisível de poder – como a exaustão se torna uma ferramenta de controle e um obstáculo à vitalidade – é o que denomino como economia do cansaço. O homem moderno vive em constante fadiga de diversas maneiras, o que o torna vulnerável e obediente. Raramente admite isso em público, temendo ser visto como desajustado, desmotivado, desorganizado, inapto, preguiçoso ou fraco, mas os sinais de desarmonia e exaustão são evidentes. Ele se culpará por não ter ouvido o despertador, perdido o autocarro, não ter treinado às 5h da manhã, esquecido de responder a um email recebido às 2h da manhã de um sábado, deixado passar o prazo da contagem da água, esquecido de fazer um check-in online antes de uma viagem, ou por ter faltado a uma reunião de trabalho por questões de saúde.

Não deveria ser óbvio que grande parte do nosso cansaço provém da avalanche sem precedentes de demandas – mensagens, prazos, estímulos, notícias, expectativas – que recai sobre cada um de nós? Esse é o primeiro ponto: nunca estivemos tão expostos a uma quantidade esmagadora de responsabilidades, viagens, barulho e à gestão centralizada e contínua de tarefas por meio de aplicativos em nossos celulares.

A tendência mais comum, no entanto, é a de romantizar essa condição – transformar o excesso em prova de valor. Conseguir lidar com tudo, estar sempre disponível, tornou-se sinônimo de força e mérito. Alimenta-se o mito de homens e mulheres impecáveis, quase super-heróis: “quanto mais há para fazer, mais se faz! É uma questão de organização!” – dizem, ocultando os segredos que mantêm tudo funcionando e minimizando os sintomas de cansaço em suas vidas pessoais. Mas essa é uma ilusão que nos custa caro, ao propagar a ideia de que é possível, viável e desejável manter esse ritmo como padrão social. Penaliza-nos individualmente, afastando-nos dos espaços vitais – o tempo desacelerado, o silêncio, as relações, o cuidado familiar, o sono, o deslumbramento – e enfraquece-nos como sociedade, rompendo nossa conexão com o que dá sentido e ritmo à vida.

Identifico duas consequências mais palpáveis dessa economia do cansaço: a incapacidade de desenvolver senso crítico e de participar ativamente da vida pública; e a perda de motivação e vitalidade para gerar descendência.

Num mundo que confunde movimento com progresso e rapidez com vitalidade, vale a pena recordar a lição simples da célebre obra Walden ou a Vida nos Bosques: “Quando somos calmos e sábios, percebemos que só as coisas grandes e dignas têm existência permanente e absoluta, que os pequenos medos e os pequenos prazeres não passam de sombra da realidade, o que é sempre estimulante e sublime. Por fecharem os olhos e dormirem, por consentirem ser enganados pelas aparências, os homens em toda parte estabelecem e confinam suas vidas diárias em rotinas e hábitos sobre fundações puramente ilusórias.”

Há um tipo de rotina laboral que cansa e, acima de tudo, desmoraliza. É o trabalho que ocupa o corpo e o espírito com tarefas vazias, mesquinhas, sem resultados palpáveis, que pouco ou nada acrescentam à vida real. O ser humano precisa de tempo para não se embrutecer, para recuperar o apreço pela beleza, pela convivência e pela reflexão. No entanto, esse tempo tão essencial ao equilíbrio do espírito e à convivência social foi sufocado por obrigações acumuladas e estímulos sem sentido.

Hoje, o poder não se impõe pela força, mas nos mantém constantemente ocupados, estimulados, distraídos e, aparentemente, produtivos – para que nunca questionemos o significado das coisas. Trabalhamos para manter em funcionamento uma engrenagem que nos consome e, ao final, restam apenas as distrações superficiais que chegam até nós como ração jogada em um curral, sem sabor, sem substância – um torpor fabricado que mantém o homem hipnotizado, dócil e distraído de sua própria condição e das causas coletivas que o transcendem.

Esse cansaço resulta em fraca vitalidade para gerar vida: o esgotamento e a desorganização da vida real tornam a reprodução indesejável ou impossível, enquanto cada pessoa vive obcecada por ser independente, nômade, progredir na carreira e encontrar o elixir da juventude. A economia do cansaço não apenas corrói o corpo e a mente – corrói também a família e o desejo de continuidade. As sociedades ocidentais, dominadas pelo ritmo da produtividade e pelo culto à autonomia individual, perderam o impulso de gerar vida. O declínio da natalidade, longe de ser apenas um problema econômico, revela uma fadiga civilizacional: o esgotamento do Eros, da confiança no futuro e do sentido de pertencimento.

Especificamente em relação às mulheres, o cansaço emerge da duplicação das exigências, tanto no mercado de trabalho quanto na vida doméstica. Ao tentar conciliar a lógica produtiva com os ritmos biológicos, acabam se distanciando do fluxo orgânico e relacional que outrora permitia gerar, cuidar e transmitir. A maternidade torna-se um luxo e o repouso um pecado. É nesse cenário de exaustão e desenraizamento que a promessa dos úteros artificiais se apresenta como um avanço tecnológico, quando, na verdade, antecipa a consumação de uma perigosa distopia: a eliminação da necessidade de encontro e cooperação entre homens e mulheres, a ruptura com a natureza, a transformação da reprodução em um mero ato produtivista, a aversão à incerteza e ao sacrifício e a definitiva cisão entre a mulher e sua potência natural de gerar vida.

Todos esses sinais de esgotamento nos convidam a repensar formas criativas de estimular uma nova ética do tempo. Formas que escapem ao discurso cansativo da “conciliação” entre trabalho e vida, que reduz tudo à produtividade e à burocracia, assim como à narrativa da igualdade de gênero, que semeia rivalidade na família. Repensar como organizamos e protegemos o tempo pode ser o primeiro passo para restaurar a vitalidade tanto na vida pública quanto na privada. Isso requer coragem para desacelerar, combater a disponibilidade permanente, reduzir e flexibilizar o horário de trabalho, restringir o uso digital em nossas vidas, especialmente nas escolas, e recriar espaços de convivência fora do ambiente produtivo. Desacelerar e “desligar” é um ato legítimo de desobediência contra a alienação. É a tentativa de reconciliar homens e mulheres com os ritmos da natureza.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

axLisboa.pt
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.